O Gostar-se
Noite. Calma. Harmonicamente, minha consciência desliza por sobre a pele que é minha, meu véu, meu corpo... Intensa, etérea, sinto-me em pleno existir. Estou aqui. Sou dona de mim mesma. Quem me visse, acharia fácil esse interesse adquirido por minha própria pessoa, esse gostar íntimo. Fácil apegar-se à personalidade, aos arroubos de melodrama, aos afãs quase insensatos de criatividade, de soberba. Não saberia, esse que observa, que cada passo até o topo foi em dor, em fogo, em pranto. Não encontraria em meu rosto qualquer marca de denúncia do flagelo, qualquer cicatriz. Não acharia motivo de tristeza, mas ele existe. Ou existiu, ao longo dos feitos gloriosos que represento agora, hoje. Quem espia apenas pela fresta do brilho jamais verá a verdadeira face da tragédia, ou mesmo os grilhões rompidos sob extremo esforço. Não conhecerá a face da fera que doutrinei e domei sem matar. Essa luta foi só minha e me lembro dela, de tudo, todos os dias. Lentamente, o cadafals