O Beijo do Vampiro
Eu tenho, em mim, a necessidade de pouco. E esse pouco pode representar tanto a quem convive comigo, que se torna impossível suprir ou compreender. Dizendo isso, estou desculpando o imperdoável. Deliberadamente.
Alguém que eu amo me disse “escrever é um sacerdócio, exige retidão, silêncio, calma, meditação, entrega absoluta”. Esse dar-se incondicional à dimensão das letras é o Beijo do Vampiro. O beijo que nos absorve, nos arrebata, nos faz perder a noção, nos faz gozar, nos suicida.
Esse que eu amo está certo, em parte. Não somos monges na clausura, não somos retos, não somos únicos. Pelo menos, eu não sou. E descubro na dor da realidade que devo escolher entre o mundo real e o mundo da literatura. Devo escolher entre o arrebatamento orgástico e o respeitar a individualidade do próximo.
Mas, pergunto, e quanto a minha individualidade? Devo mesmo resignar-me a abdicar da minha arte em prol do contento de alguém? Em prol do bem-estar do outro? Devo abrir mão de parte essencial de mim por quem deveria ser parte essencial de mim?
Um paradoxo, um dilema. Já não estou triste. A tristeza dá lugar a uma abrangência realista. Agora que a realidade começa a se parecer, a ter nuances do devaneio, é nessa hora que devo parar? Agora que começo a viver o que remoí nos sonhos por uma vida inteira... tenho de desistir ou conter-me para não incomodar?
Compreendo, pois, que terei de abrir mão de coisas caras, de alguéns. Se a minha literatura, o meu jeito de ser mais feliz, desconforta, resta a mim desculpar-me pelos atos imperdoáveis da criação (a minha). Resta a mim dizer adeus.
Devo, assim, abrir mão da vida regrada e normal e comum e cotidiana. Devo jogar-me nos braços do desconhecido e esse desconhecido se parece tanto comigo. Devo abraçar a mim mesma e deixar partir o que (e quem) me é caro para que a arte sobreviva em mim. Ou devo abrir mão da arte, essa que me acompanha no íntimo, que me apaixona e se apaixona por mim. E devo dizer-lhe adeus sorrindo, como se fosse fácil esse exterminar-se intelectual. Dizer adeus a mim ou ao outro, não importa. Só sei que devo.
Paradoxo...
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