Teoria do Amor Inequívoco
Eis que o momento propicia, pela véspera, uma rápida análise sobre o que se costuma chamar Amor. Primeiro, Aurélio de Holanda nos diz que amar é “querer muito bem a; sentir ternura ou paixão por; ter afeição, dedicação ou devoção a; prezar; gostar de; possuir; estar enamorado (...)”.
Mesmo na definição mais acadêmica, é comum encontrar essa emoção tão cantada pelos poetas, tão explorada pelos literatos, associada ao ato de sofrer, à lamúria, às lágrimas e à dor. É a isso que a tese do Amor Inequívoco repudia! Amar não é consternação, tampouco sofreguidão! Não deve ser! O que dói é o ciúme, a posse, a cobiça, o apego, o ver-se solitário, insatisfeito. Nada disso, entretanto, é amor.
Nem mesmo a paixão – sinônimo de martírio – é amor! Paixão é fogo que excita o corpo, é sexo, é química. Paixão é um doer-se autoinfligido tão profundo quanto inconsistente. Posto que paixão é passageira e volátil como o gosto do chocolate na língua.
Amor é mais! Amar alguém é o apuro dos sentidos, é o bem soberano, o adorar magnânimo. Amar é dedicar-se plenamente, é dispensar os ganhos, é não querer recompensa. A própria recompensa é a felicidade de amar, de sonhar acordado, de deleitar-se na alegria do outro. É querer bem, desprendido. É liberdade, é suavidade sem pressa, sem expectativa. Amar é preencher-se com o simples existir daquele ou daquela.
Amar é não demandar nada, não antecipar, não interferir. Amar é doar-se sem desgaste, é despejar-se em zelo, é compartilhar sem culpa, é se entregar sem esperança. Sim, Camões já disse tudo isso, e ele estava certíssimo! Pena é que quase ninguém o compreendeu, tanto antes como agora.
O sentir amor é encanto, é graça. E se amar é assim tão transcendental, imaginemos que absoluta delícia é ser amado! Saber que em algum lugar, alguém nutre por nós devoção verdadeira, que nos admira pelo que somos e não pelo que pretende que sejamos. Alguém que dedica a nós seus mais belos devaneios sem nos pedir sequer nossa proximidade. Alguém que se importa conosco a ponto de nos deixar ir e vir como bem quisermos.
Sendo assim tão afável, é impossível sofrer desse amor. A infelicidade e a angústia são, sim, maldição daquele que ama errado, que tende a transformar o outro em reflexo de si próprio, que tende a domesticar, atrelar, coagir, chantagear. Errado é aquele que faz do amor uma masmorra, um castigo, um exílio. Errado é aquele que inflama de ciúmes, que ignora as diferenças, que desrespeita a individualidade, a pureza do outro. Errado é o amor que tolhe, que necessita, que amedronta e que perturba. Isso não é amar, é pura “autopaixão”, narcisismo exasperado, pois que nada mais fará do que agrados ao próprio ego.
O verdadeiro amor, aquele incondicional, ao contrário, é altruísmo consciente, pura afeição. É não atrapalhar o caminho do outro, é não limitá-lo. Amor Inequívoco é amar sem matar a essência de quem amamos.
Pouco importa se o ser amado está ao alcance de um abraço ou do outro lado do mar. Se tem consciência de que é amado ou não. A mansidão do Amor Inequívoco desata nós, quebra grilhões. Nada é falso, nada é feio. É a compreensão da beleza do universo que cabe na singeleza de um sorriso.
E se, por acaso, sem mazelas, somos agraciados com a presença do outro, que nos regozijemos pela dádiva. Se, por gentileza dele, podemos chamá-lo, mais que amado, amante, que nossos sentidos não se entorpeçam e saibam dar-se sem apropriação, saibam fazer de cada instante uma única eternidade!
Este, enfim, é o sentido do Amor Inequívoco. Calmaria embalando a nau felicidade. Amor que se guarda, não trancafiado no peito, mas a brilhar nas bordas da alma. É o amor libertário que nos acompanha sempre. Quando amamos inequivocamente, jamais estamos sós, jamais estamos tristes. Quando amamos assim, somos completos!
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