Lágrima

Eu, que nunca choro, hoje me doo. Não de doar, mas de doer. E dores vêm a me assolar. E molho meu rosto, meu todo. Me verto em prantos. E não sei por quê. Não sei por que choro. E eu que não choro, agora me derreto em lágrimas. E dói. Sofro por um desejo, um sonho, um algo a realizar. Algo tão distante, tão bonito, tão meu, que me escapa.
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Eu, que não sei chorar, agora me desmancho em soluços inaudíveis. E meço cada fio de pranto com a mesma régua que tolhe o destino. Sim, sou tolhida, cortada, podada como um galho de parreira. E de minhas frutas se extrai o vinho incolor que agora desce por meus olhos. E ainda não me doo. De doar. Porque dói.
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Eu, pedra bruta, força plena. Na solidão do meu luto interno, me desnudo. E sinto o toque da lágrima a queimar a pele. E sinto o toque da pele a ferir a alma. E sinto a falta da alma no toque que não há. E, por mim mesma, por minha ausência, choro.
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Eu, que vivo sem culpa, sem medo, sem métrica. Eu que sou o que sou por vontade, por teimosia. Eu sou essa que chora. E que no espelho não se reconhece. Porque essa que chora não posso ser eu.
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Eu, a que nunca chora. Eu, a rocha. Mas me vejo, não há escape. E se me vejo em prantos, é porque ainda sei chorar. Essas lágrimas de sal que me molham a boca são as mesmas lágrimas que me fazem humana. E há tanto tempo eu tento esconder essa humanidade em mim.
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Eu, a inumana. Eu, a que não chora. Eu, que agora pranteio, solenemente, a ausência que causas em mim. Saudade é a palavra escrita em cada lágrima a percorrer a face. Saudade, meu amor distante. Saudade. De mim. De ti.

Comentários

Ser assim tão mais humana dói mesmo. Mas é uma força que vem de dentro pra fora. O contrário do que tentávamos até hoje. Ser forte de fora pra dentro, qualidade dos firmes, mas dos firmes que têm medo, que temem algo maior do que a força deles pode supor ou suportar. Nossa força vem de dentro,.não questiona suposições, é tão íntegro, tão nosso. As lágrimas, meu amor, é apenas a tua força, vazando...

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