Mudar – Parte 1


E ela era uma pessoa das mais felizes. Conclusão lógica essa. Qualquer teste de revista cafona confirmaria. Sim, era plena de si mesma. Era cheia de vida. Feliz era a palavra correta. Afinal, tinha 35 anos e estava em grande forma. Era uma profissional bem sucedida. O emprego era ótimo, os colegas uns fofos, a chefe excelente. Ganhava o suficiente para se permitir extravagâncias. Tinha comprado seu primeiro apartamento um ano antes e já terminara de pagar tudo!

Era uma vida de regalias. Seu castelo, suas coisas, seus amores. Boas roupas, bons amigos, bons lugares. Tudo ia tão perfeitamente bem que era de causar inveja nos mortais ao redor. Era assim... até que, um dia, se olhou no espelho.

O grande espelho da porta do guarda-roupa. E o que viu naquela manhã de sábado, não foi a perfeição de antes, a perfeição de sempre. Não viu – essa era a verdade crua – nada de perfeito naquele reflexo, naquela estranha que a fitava de perto.

Olheiras fundas sem a maquiagem cara. As linhas do rosto marcando um cansaço que não estava lá. Sem cor, sem brilho. A pele ficando flácida logo abaixo do queixo. Rugas a vincar as dobras do pescoço. Seios já teimando em apontar para baixo da linha do equador. Cintura... mas onde estava a cintura? Escondida naquele pneu de caminhão que a circulava, decerto.

Uma sensação de urgência se apossou dela. Não era excessivamente preocupada com a aparência. Mas, aquela imagem envelhecida no espelho trazia à tona outras questões tão bem enterradas no fundo do ego...

Algumas semanas se passaram e ele não conseguia se livrar da imagem do reflexo. Certa noite, ligou para o amante regular – amizade colorida – e pediu que inventasse uma desculpa qualquer para a mulher e viesse vê-la. Ele de,orou mais de hora e, assim que chegou, ela disparou:

- Como você me vê?
- Heim?
- Como eu pareço pra você? Seja sincero.
- Que papo é esse agora?
- Me diz. O que você acha de mim?
- Acho você muito gostosa, baby – disse ele, enlaçando-a pela cintura.

Ela se afastou. Não queria sexo. Queria a verdade.

- É só isso? Sou gostosa?
- Precisa mais?

Ela espirou fundo.

- Se eu quisesse mais, o que você diria?
- Que você é bonita. Que é cheirosa. Que tem uma bunda linda!
- E sobre o resto de mim?
- Que resto?

...

O resto foi fácil depois daquela resposta. Na semana seguinte, ela não se olhou no espelho e não ligou mais para aquele idiota. Amizade ficando cinza. Mergulhou no trabalho e se deu alguns presentes supérfluos para segurar o mau humor.

(continua)

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