Trópico de Câncer


E havia a pedra bruta na beira do rio. A pedra dura e insensível que cuidavas do leito e das águas. Que cuidava de tudo, menos de si. Que regrava tudo ao redor. E o rio corria límpido, caudaloso. Corredeiras e encostas formando a paisagem virgem. E a pedra ali, cuidando de tudo.

Até que, um dia, um homem surgiu das águas. Um homem desenhado pelos símbolos do oculto. A pedra o viu surgir sem poder fazer nada. E ele veio nu e vigoroso. Deitou-se sobre a pedra e suspirou ao sol.

E a pedra, imóvel, pôde ver cada fenda. Pele, pêlos, músculos, suor. E a pedra rendeu-se à beleza daquele homem, como se ele fora o mais radiante raio do astro rei. O semblante dele fazendo brilhar a paisagem intocada. A respiração ritmando o universo.

E aquele corpo nu despertou desejo. Tamanho era aquele calor, aquela libido, aquele fogo. E a pedra cedeu e derreteu-se... Amou aquele homem como a lua ama o sol. E o corpo dele correspondeu ao milagre, deitando seiva sobre a rocha inerte.

Foi quando a pedra, controladora que era, cessou seus esforços, e concebeu mistério, concebeu carinho. E amou aquele homem com todas as forças da terra. Até que ele, saciado, feliz, ergueu-se e desapareceu. Não sem um beijo, sem um afago. Mesmo assim, ele se foi.

E a pedra ficou deserta, com saudade daquela carne. E o mundo girou mais rápido, mais eterno. Naquele eixo, onde o homem e a pedra se amaram, nasceu o trópico do calor e do verão. Trópico sob o signo de câncer. Linha reta, absoluta.

A pedra permaneceu ali. Esperando e esperando até que ele, aquele belo homem de olhos verdejantes, resolvesse voltar. Resolvesse lhe dar mais da seiva da vida. Apaixonada que estava, a pedra, pelo belo ser que veio do fundo das águas e se foi com um beijo jogado ao vento, nada mais.

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