Fria análise sobre o realismo debelado



Crises sensoriais são quase sempre redundantes e recorrentes numa sociedade cada vez mais virtualizada, cada vez mais voltada ao próprio umbigo, já acostumada às comodidades assépticas e incompartilháveis. Os egocentrismos se expandem conforme a velocidade dos modens. As mesmas ferramentas que fazem de nós seres sociais, nos encarceram na mesmice do universo das redes.

O individualismo exasperado, buscado à custa ou à revelia dos contatos pessoais, tende a tornar confortável um simples click. A cada conversa, a digitação; em cada sorriso, um emoticon. E é nesse cenário fictício que nos convencemos de que somos queridos, de que temos amigos, de que estamos na companhia de outrem.

É também nesse contexto que a solidão nos enreda com seus tentáculos invisíveis. Dos quais apenas nos apercebemos quando já é tarde demais. Quando já nos sufoca a distância do semelhante. Quando beiramos a insanidade ao sorrir para a tela, ao conversar com o iPhone, ao não-ser se não estivermos online.

Entretanto, nada disso é verdadeiramente culpa do Deus Ex-Machina chamado Internet. Pelo contrário, é de posse de seu possibilitar de contatos que nos perdemos de nós mesmos. De nossos semelhantes presenciais, do mundo como o conhecíamos antes. Somos os responsáveis por esse sentimento de abandono que nos rodeia, que nos aparta.

Seres sociais e redes sociais são antagônicos. Enquanto o primeiro carece de relação interpessoal, o segundo gera a ilusão confortável de proximidade. Enquanto a rede esbanja rostos sorridentes e perfis interessantes, o ser se isola com a mesma velocidade do compartilhar de informações.

Raro o momento do encontro, do olhar, do abraço. Raro o trocar de palavras verbais. Raro o brinde tilintando copos ou o simples partilhar companhia ou pedaços de pizza. Nada mais se apresenta sem a virtualidade. E, nela, estamos absolutamente sós. Nos sentimos livres de laços, como se esses laços fossem maus, nos destronassem.

E quando chega o instante da necessidade do afago, seja ele tátil ou visual, compreendemos que realmente nos anulamos para os outros iguais a nós. A sós e únicos na esfera abarrotada de friends inanimados e sem emoção. Nenhuma reação obtemos do teclado ou do mouse. Nenhum gesto sequer.

O reprimir virtual é autoflagelo no que concerne ao estar, ao gostar, ao trocar sensações. É sabotagem autoimpingida no que tange ao conceito básico de socialização. É frustrar-se sem resposta no chat. É deprimir-se quando não há com quem teclar. É encerramento, claustrofobia. Isso não é liberdade, é desamparo.

Comentários

Roberto Dias disse…
Como eu queria ter escrito isto! Estamos numa sintonia de crises e criatividades!
Eu chancelo cada palavra sua!
Eu assino mea culpa!
Um dos comentarios mais felizes que ja vi sobre o tema. Compartilho cada palavra, que traduz exatamente o que penso. Giselle eh uma bruxa, uma leitora de mentes e coracoes! Aff! Enfeiticado!
Giselle, nao consigo compartilhar ou curtir no Face esse FANTASTICO texto, vc so me surpreende cada vez mais com seu talento, porque nao aparece o botao de curtir ou compartilhar, nem no face nem no twiter. Mas vou continuar tentando. Tambem nao aparece a barra pra eu copiar e colar o link. Acho que eh por causa do iPad. Bjs.
Rafaela Nova disse…
Acho que mesmo no virtual muitas questões vazam. É fácil construir nas redes sociais uma "imagem", e até é possível adicionar e excluir contatos que tenham ou não tenham a ver com o objetivo, ou com a opinião, etc. Só que realmente, quando a coisa exige "humanidade", fica aquele vazio da janelinha aberta sem resposta... Pelo menos ali há uma sensação de presença, ou de possibilidades. Mas o desafio de saber lidar com o outro, se renova. Complexo, mas um texto ótimo! Parabéns!

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