Descarinhos
Sou bem mais do que gritam meus
gestos ao mundo. Sou bem menos do que realmente valho. Sou o aspecto fálico, flácido,
desfalecido. Sou concepção e padecimento compulsivo. Sou o misto da força e da
sedução, ambas efêmeras. Tenho alguns sentimentos em mim, em meu íntimo
resguardados. Tenha medo, sim. Sou quase humanidade, mais que pessoa.
Sou o ser que se entrega sem modéstias,
sem modismos. Sou quem cede o corpo a outro corpo em troca de um carinho. Descarinhos,
descaminhos, desafetos. Sou pele e espinhos, pois minhas pétalas já as perdi. Foram-me
arrancadas. Ou me desfiz delas por serem bonitas demais. E eu não creio que
mereça essa beleza.
Sou aquilo que me querem dar, sou
quem troca lágrimas pelas migalhas. Sou mendicância, resignação, contentamento métrico.
Tenho o querer caótico, embrutecido pelos desencantos. Sou amores não florescidos,
sou lamento de fagulhas apagadas. Sou desigual no intransigente caminho de
amar. Sou desamor, desengano.
Sou simplesmente alguém que
precisa de abraço, que esmola um afago. Sou essa criatura cinzenta que anda só
no caminho despido de cores. Sou alma alquebrada, sou ego e desintegração. Sou
o que existe de feio em torno dos outros, dentro deles, em você. Sou o que você
seria se não houvesse esperança.
Sou desespero, sou desenlace, sou
morte. Sou o ranger cármico das correntes que arrasto. Sou forte e sou frágil.
Quebro fácil, me colo os cacos. Ando tropeçando nos restos de vida que se vão
pelo chão. Sou assim, o oposto do que você quer ver. Mas sou eu quem entenderá
quando seu coração sangrar. E, ainda assim, você não me dará a dádiva de seu
sorriso.
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