Minha Criança Dorme
Minha filha adormece tão inocente, tão autêntica. Adormece
no justo sono dos puros, no descansar daqueles que, livres de máculas, ainda não
cometeram pecado. Minha criança dorme na paz do reino dos anjos.
E eu aqui, velo por ela sorvendo os venenos dos males do
mundo. Eu velo o sono infantil sabendo das dores que a vida ainda vai fazer
surgir. A perda e a busca, o flagelo necessário. O endurecimento. O
crescimento.
Velo minha menina sentindo todos os rancores rondarem. Rancores
que anda não são dela, mas que eu não posso impedir. Pois ela, tão linda, tão
limpa, terá de enfrentar cada bicho-papão, cada fantasma. E vencerá. E
vencendo, crescerá forte, madura.
Todavia, choro pela perda da imaculada inocência de agora. Porque,
quando o mundo começar a ruir – e vai ruir –, só ela será capaz de reunir e
colar seus próprios pedaços. Eu apenas rezo aos deuses que o fardo dela não
seja como o meu. Que não seja grande demais. Que não a faça perder esse “querer
viver” que, nela, me faz sobreviver ainda.
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