Neve ao Luar



Quando neva não tem lua. Mas a lua está lá, vendo a neve planar. Como de uma janela do décimo andar sobre o abismo da cidade, como assistir o chuvisco por sobre as luzes. Quase dá pra ver a lua. Quase dá pra ver quem está lá embaixo, ensopado, enregelado, fugindo da tempestade. Quase dá pra ver um rosto...

Mas falta a lente, falta o olho, falta descer ao abismo pra ver esse rosto de frente. De perto. Falta nitidez, alcance, foco. Falta sair na neve, na chuva, falta deixar-se encharcar num chafariz num dia de vento. Falta clareza, claridade, falta o raio de sol mais que a luz do poste pra iluminar a descida. Falta coragem...

E onde falta ímpeto, sobra o sopro do sul, gelando os ossos. Sobra o frio da covardia que corta como faca afiada as arestas da fantasia. Falta tempero, sobra desgosto. Sobram restos intocados de goles de vinho barato. Sobram sobre a mesa as taças sujas diante da janela vazia de onde não se vê a lua. Sobra vontade, falta o beijo de um filme antigo...

Assim vai seguindo o jogo do tempo, passando dias, cruzando noites. Insone e distante. Vendo a neve a cair invisível, pois que neva só dentro de cada alma sozinha. E todas são, todas estão. Desacompanhadas na contraluz da noite sem lua. Mas a lua está lá. Acima do vento, do chuvisco, do chafariz, do décimo andar. Só que também a lua está sozinha. E neva...

Comentários

O tempo da gente parece ser contado assim, no olhar do outro. Nossa vida pode ser a mais solitaria, disritmica e aparentemente sem gosto, sem cores, nevoenta. No entando, Giselle poe nos nossos olhos as imagens simbolicas que evocam o verdadeiro das coisas, e, entao, como se nos relembrassem o doce do doce, o triste do triste, o prazer do prazer, o verdadeiro do verdadeiro, essas pequenas cartas literarias pontilham a porta de nossa geladeira como bibelos, e as estantes de nossos livros mentais como marcadores de paginas dos livros que lemos e aos poucos escrevemos. Giselle se infltra inesquecivel. Uma reflexao dela cria um marco de lembranca, um reforco de virtude no nosso relogio, que circula, circula infinito... Mas quem a le sempre vai saber por onde referenciar-se na monotonia das horas.

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