O Vazio e a Febre
Tudo turva, tudo embaça, quando a
febre queima na pele. O mundo perde o rumo, a noção, o conceito. Tudo nubla
quando a febre queima o corpo. O bom senso incendeia, incinera, vira fumaça, pó.
É quando a mente embota, é quando o que fala mais alto é essa chama que consome
o sentido de tudo, toda a moral.
E quando o fogo domina o
pensamento, nada resta de juízo. É tudo indulto, indulgência. Negligência. Tudo
é festa, tudo é só a febre. Um suicídio, uma mutilação, atentado. Autopunição, demérito.
Tudo em busca do prazer, do afago do ego. Tudo pode, tudo perde. Nenhum limite
restringe o flagelo. Nenhum sentido, qualquer entrega. A febre consome a carne.
E depois, mais nada há.
É então que a febre queima a alma,
mata a ética que resta. É quando tudo esfria que sobra só a sensação de
sujeira. O cheiro do álcool consumido, do ato consumado, do gostar-se extinto. É
quando o pensar volta e olha de frente, reprovação latente. Vergonha. Quando a
febre deixa o corpo em paz, vem a lembrança querendo ser esquecida, vem o frio
da reprimenda muda, vem o baixar de fronte. O declínio. Vem só a dor.
Moralismo jogado no ralo. Regra
transgredida. Lixo. Vazio absoluto a preencher o buraco negro dentro do peito. Desrespeito,
desonra, embaraço. E a voz na cabeça a questionar “Por quê? Para quê? Por quem?”
Egoísmo inútil, fútil. Carência. Estupidez. E a pergunta permanece: “Valeu a pena?” Olhos
no chão, gosto de fel, resposta óbvia. Não...
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