As Fúrias
Então me pego outra vez a romper lamentos. Esses pelos quais
nos doemos e revidamos olhares alheios. Então me vejo mais uma vez a desejar
alentos. Desses que movemos mundos para alcançar o seio. Me pego, mansa, vez em
quando, a pensar em ti...
Mais que o eterno contratempo, tivemos nós o brilho do
carinho eterno. Esse derradeiro cantar das sereias. Esse redemoinho que suga a
sorte. Profanação, divinação. Fomos nós dois mais que miseriórdia, mais que um
simples momento. E eu sei que, vezes sem travas, pensas em mim.
Erramos no tempo, na métrica. Fomos culpados de pura
veracidade verborrágica. Pois, para mim, era impossível negar-te desejo. Para
ti, impossível dizer-me menos que ardor. E seguimos numa fúria extrema. Magia louca,
sexo, paixão. Fui tua carne, teu sangue, tua saliva. Foste meu, por um segundo
mais que eterno...
Resta-nos o martirizar das Eríneas, que devoram verbos dos
que se fazem hereges. Pois que matamos a nós mesmos ao nos separarmos, ao
desgrudar os corpos, ao secar suores... Porque o teu desejo é o meu desejo. E a
separação é o assassinato do que somos nós dois... União tão perfeita que
somos... que poderíamos ser...
Só resta a sentença de morte. Pois eu morro a cada segundo
sem a tua carne a consumir a minha. Morro a cada instante que tua boca não me
vasculha as entranhas. Tu és a águia, eu o fígado... Sou o sangue que te
alimenta. Sou só tua, e mesmo assim, não és tão meu... Lástimas da vida.
Onde errei ao te dar meu coração, jamais saberei dizer-te.
Qual crime cometi ao te amar tanto, isso me escapa. Que posso proferir em minha
defesa, senão que quero-te ao desespero? Que posso eu fazer para que me queiras
assim, sem amarras? Não insisto, bem sabes. Mas pranteio esse amor que não se
deu.
Numa noite – e esse é meu troféu – fui tua paixão infinita,
meu homem de aço. Numa noite apenas, desci aos infernos em busca de ti e te
resgatei. Toda a verdade é que seguirei te esperando. Esperando que abras teus
olhos e me vejas assim, nua, a te dar o mundo que é meu. Diz que não queres e
secarei, feito flor ao sol... Ou deixarei que as Fúrias me consumam. Diz, e
desistirei de mim.
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