Confesso – Parte 1
Vez em quando, venho aqui com
alguma nota de não ficção. Redecoro tudo que é monotonamente realista e
construo poesia para dissimular essa monotonia. Dessa vez, só uma confissão
necessária.
Descobri muito sobre mim nessas últimas
duas semanas. E isso pode não interessar em nada a você, mas vou relatar mesmo
assim. É minha catarse, afinal de contas. É escrevendo que exorcizo, que realinho,
todos esses monstros desvelados.
Estive, recentemente, obrigada a
encarar o mundo sem véus, sem maquiagem (não a minha, a do mundo). Me vi em
situações claras e reais. Quem esteve lá, vai saber. E percebi que tenho, já, a idade e o discernimento para
analisar e compreender a mim.
E percebi mais. Que aquela “eu”
adolescente jamais morreu, apesar de meus esforços. Que ela me observava (eu, a
adulta) de algum lugar quieto e sinistro, esperando para gritar “estou aqui
ainda”. E estava mesmo. A mesma menina (creio que jamais fui uma menina)
introspectiva e raivosa, a mesma rebelde encolhida, calada e frustrada. Aquela
que não se encaixava.
Essa jovenzinha bizarra falou
comigo. Me fez ver que, lá no fundo de tudo, ainda sou ela. Tudo o que fiz foi
criar espectros (alguns muitíssimo convincentes) para mascará-la. Fiz o que
tinha de fazer para ganhar meu reino. Mas a borralheira não morreu. Ela existe
e ainda é feia.
Tudo aconteceu ao som de uma roda
de violão, risadas e alegrias alcoólicas. Todos bebiam e se divertiam, menos
eu. Encarei a celebração de cara limpa, como dizem. E a velha (muito velha)
sensação de urgência de fuga voltou já no início da noite. Sim, queria me
trancar no quarto e dormir. Desaparecer! Voltar a ser invisível.
Cheguei ao ponto de sentir
desprezo e raiva dos que se divertiam e não viam, nem por um momento, que eu
estava deslocada. O que também não foi verdade, pois vários tentaram fazer com
que eu me aproximasse. Quantos, ao longo dos anos passados, não tiveram esse
mesmo empenho? Quantos e eu nem vi.
A parte mais inusitada do
deslocamento e da estranheza foi que eu percebi tudo isso. Pude analisar a cada
minuto, a cada música, a cada frase de incentivo ou de desdém (sim, sempre há),
cada motivo ou desculpa mental. Compreendi pretextos, ponderei necessidades
infantis não saciadas, mantive-me ali, de pé. Posso dizer que enfrentei a mim
mesma.
Não teria essa capacidade em
outros tempos. Agora tenho. Mais uma vitória pessoal. Apesar do choque de me
saber ainda “deslocada”. Apesar do desconforto, do déjà vu antissocial. Não digo que superei. Mas,
compreendo. E agora sei o motivo das máscaras.
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