O Anjo que Chora



Debruçada sobre a pedra, a imagem do anjo verte pranto pela vida esvaída. Quiçá sinta a dor da ferida, do golpe forte de desfecho. A lágrima, outrora quente, é feita de calcário tal qual a asa aberta do anjo que chora. Lamento quieto, intraduzível. Lamento falível de percepção impaciente. Pois, eis que o semblante desse anjo não pranteia. Apenas espera.

Dali tão próximo, o dorso da jovem sem nome anseia na espera perpétua. Assim tão bela quanto fera, mostra-se solícita e solitária donzela, arqueando da ânsia de arfar mais uma vez. E de tão perto apenas se traduz mármore, tão fria rocha quanto a suavidade da pele vitrificada em verniz. Como o anjo, a moça parece chorar. Inerte sofrer na eternidade.

E ao lado da cripta, a mãe virginal para sempre velada traz ao colo e ao rosto a máscara mortuária esquecida. Rigidez melancólica a encarar o céu sem consolo. Angústia constante que ampara o corpo do Cristo que já não é carne. Gratias omnia mater. Tristeza que vem da piedade, expressão imprecisa de granito e de dor que já não aflige mais.

Véus e flores que quase dançam, rígidos no cimento profanado pelo tempo, projetam sombras lazarentas em silente sincronia. Nada se move ao derredor dos túmulos, apenas os olhos atentos daquele que passeia pelos rastros do não existir. Aquele que vive para descobrir o belo, mesmo entre as veias perpétuas da morte sem cor, esculpida em pedra secular e brisa.

Esse que anda a procurar beleza na morte, a resguardar arte no doloroso significado do fim, é o próprio anjo chorando sobre a lápide. Esse é o verdadeiro buscador do significado da alma, É dele, não a foice, mas a lente. É ele o guardião do que se faz vivo entre a morada dos mortos.

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