O Leão
A fera pisa leve, sem deixar marcas na aridez da savana. Caçador
sedento, faminto, espreita camuflado através da relva. Besta-fera assassina,
puro instinto, nômade e rei. Indomável, invencível. Um gigantesco macho de
dentes afiados e juba quase negra a revoar com o vento.
O corpo denso de pêlos avança lentamente sob o sol. Cada
movimento, um bailado de morte. Cada músculo cadenciado movendo-se ao comando
da respiração lenta. Olhos atentos, hipnóticos, temíveis. Felino sensual,
bebedor de sangue. Feroz e selvagem. Imponente, belo, amedrontador. Dono de
tudo.
O que não se sabe, o que não se pode ver, é que o majestoso
leão está ferido. A fera não sangra, não manca, não vacila. Mas o peito foi
dilacerado e ainda dói. A ferida aberta latejante de tempos infindáveis de combate.
Sobrevivência e fome. Ele lutou, ele venceu. A dor, todavia, permanece.
Cansado, ele esquece às vezes de sorrir. Esquece do passo
seguinte, perde por um momento a firmeza. Só que ele é forte e não vai parar tão
cedo, esse leão de juba ao vento... esse homem de cabelos revoltos e olhos felinos. Tão belo que nem sabe o quanto é belo. Esse que,
num lapso breve de solidão, ainda se deixa sonhar. Mas seu sonhar também é
breve.
Por isso o leão e sua fome vagam sozinhos. Nenhuma fêmea a
caçar por ele, nenhuma sombra para descansar. Seguir adiante é sua meta, até qualquer
oásis imaginário. Para finalmente deitar e adormecer. Quem sabe, em meu colo...
Comentários