Vinho
A gota rubra escorre da borda da
taça como o sangue que goteja do pulso. Talho da tenra fruta, da carne pálida, prenúncio
de morte engarrafada. A rolha que escapa do gargalho com seu estampido surdo,
qual bomba de efeito moral, tal virgindade rompida, maculada, amoral.
Doce aroma a escapar do vidro, haustos
doces descendo de encontro ao cristal. E toda a transparência se tinge de tinto
veneno, deixando na língua um desejo preme. Saliva incandescida antecipando
sabor. Torpor sensorial enquanto o néctar escorre pelos lábios. Frêmito de lascívia,
puro prazer.
Cada gole, o sorver da própria
vida, o arder do gozo, o pulsar as veias. Infinita misericórdia contida numa
taça tão breve. E o fechar de olhos inevitável ante o rubor das faces. E a carícia
da mente embalada em mística névoa. Mistério e encanto, sumo da árvore da
sabedoria, seiva benfazeja do esquecimento.
Fugazes são esses encantos do líquido
precioso de Dionísio. Causando euforias, acendendo paixões, brotando lágrimas,
levitando corpos petrificados. As pagãs dançarinas da festa de Baco fazendo
queimar o peito. E, súbito, somos libertos adoradores da vida. Da verdade que nele
habita. In vino veritas!
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