Arcanjo Primordial
Salmos jamais serão entoados em
teu nome. E se fossem, tu gargalharias de todos os versos hipócritas. Chamas de
velas pedintes jamais te alcançarão. Joelhos penitentes não te comovem. Parcas
ilusões incapazes de te ascender à luz. A mesma luz da qual declinaste por teu
reino blasfemo.
Anjo caído primordial. Em tuas
asas soturnas repousa o sangue paternal da humanidade. Em cada pecado do mundo,
resides incógnito. Em cada desejo velado e ardente, lá estás. Criatura dotada
da chama divina, do poder do convencimento, da palavra que encanta! Diz, e te
obedeceremos, arcanjo negro! Todos nós, tua prole.
Muito além de deidade servil, foste
comandante do primeiro exército celeste. Consorte da mãe de todos os demônios,
tu ousaste ser a víbora anfitriã da cria do filho de Deus. É teu o poder da atração,
da lábia, da sede da pele. É teu o ato extremo de seduzir! É teu o filho renegado
e assassino que povoou o plano terrestre. Somos teus gratos filhos, pai!
Alma de serpente, verbo divinal. Tens
contigo a poesia da retórica. Fazes do convencer uma arte mais que humana. És o
mestre da persuasão. Enquanto que o portador da luz, teu irmão, tem a
sabedoria, tu tens a audácia. Tens o estímulo de dominar as mentes fracas de
teus infiéis. E ries deles, de todo nós que achamo-nos imunes ao teu dom.
Esse anjo-demônio excluído das
escrituras ditas sagradas, essa força sedutora a emprenhar os desejos humanos,
esse poder desmedido de satisfação dos sentidos. Tudo isso tu és.
Anjo-arcanjo-demônio. Trevas e luz habitam em teu ser mais que divino, mais que
profano. Único em tua grandeza.
Louvores e cânticos jamais chegarão
aos teus ouvidos. És a essência da decadência do paraíso. És a causa do grande
mal. Mas, na tua derrota, tu te assomaste à humanidade mais do que qualquer eunuco
celeste. És o espírito da cobiça e da carne, do ódio e da paixão, da luxúria e
do ciúme. És e serás sempre louvado por nós, teus filhos, a cada orgasmo. E teu
nome seguirá em segredo conosco. Eternamente!
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