Sonâmbula
Como eu posso dormir com o cheiro
dele entranhado na minha pele? Como não sentir o peito arder de saudade? Tão
pouco tempo, tanta espera... Será ele o Homem de Areia que vem desencaixar meus
sonhos? Será minha sina, meu desespero? Serei eu apenas mais um alvo débil
dessa maldade tão sórdida em forma de Segredo? Os demônios – dizem – não sabem
mesmo amar...
Será Eros vingando-se de Psique? Será
a ira de Marte sobre Vênus? Serei eu a virgem em sacrifício ao deus do ego, da
sedução? Dizem que deuses também não aprendem a amar. Deuses só desejam, assim
como os anjos... Seres estelares que se regozijam no sofrimento de meros
mortais. Suscetíveis mortais... Esses que amam, que se doem, que vertem lágrimas
adornadas de saudade...
Anjo-tirano, não sabe que me
deixou ainda mais só? Que levou consigo minha paz de espírito, meu espírito,
minha parte mais forte? Que amputou de mim minha vontade... Essa vontade que
agora é dele, é por ele, arcanjo que habita o sal da terra... Senhor de meu
martírio, de minha carne, que nem mesmo sabe que estou aqui a implorar por
ele... por mais um pouco dele...
Bruxo carregado de egoísmo. Mago
das profundezas mais obscuras da alma. Levou para si minha essência, tomou como
brinde meu amor inconsciente, incondicional. E pendurou num pingente o coração
que arrancou sem aviso desse peito agora oco que se consome na distância
daquela pele de marfim... Só angústia ficou para mim, que morro em vida a cada suspiro
longe dele...
E só sobrevivo, sonâmbula, na
certeza da promessa que ele me fez ao pé do ouvido, num sussurro... Me mantenho
a esperar, alheia e obediente, segundo após segundo. E aqui ficarei, como Eco
na caverna admirando Narciso... Serei como a árvore secular que jamais tomba
frente à tempestade. Porque a voz dele retumba em minhas entranhas, mente para
minha mente, embala meus devaneios. Porque ele me disse que ia voltar...
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