Através da Vidraça (I)
Estou em rota de colisão comigo
mesma. Em pleno processo de despedida. Luto fechado, mortalha completa. Sou a
supernova que explodirá a qualquer instante. A dinamite de pavio aceso. Sou a
cobaia de minha própria experiência. A transformação latente, esperando o relâmpago.
Sou meu monstro criado.
Sinistro esse rumor surdo da voz
interna. Ameaçador esse silêncio ao meu redor, apesar dos barulhos do mundo. Por
muito tempo, vi a mim pela janela, através da vidraça. Agora, ergo a pedra
apertada na mão e miro a transparência que estilhaça. Ergo a cortina, atravesso
a redoma, venço a couraça.
Sou medo e agonia nesse momento. A
coragem tão presente me abandona à mercê da sombra. Essa névoa que vai se
dissipando me mostra algo que ainda não sei se quero ver. Um novo rosto, o
mesmo rosto. Uma nova estrada sem qualquer das bengalas tão bem-vindas, dos
amparos familiares tão confortantes.
Mas nada mudou ainda. Só minha
imagem se altera diante da realidade. A primeira mudança é aceitar o novo, é me
permitir chorar a despedida, a separação, o encerramento. Permissão para chorar
de medo do escuro, de medo da luz. Permissão para confiar que sobreviverei sem ser
eu mesma, sem mim.
O momento é agora. O futuro e o
presente se unem ao passado e revelam que o processo doloroso de cura já
começou. Tem início essa morte compromissada, forçada, parida. Força e obstinação
não serão suficientes nessa jornada. É preciso aprender a perder, a desapegar,
a morrer-se. É preciso pular da janela. É preciso aprender a voar.
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