A Estranha
Vejo uma foto minha e não me
reconheço. Quem é essa mulher de rosto cansado, tão diferente da imagem que
tenho de mim em minha mente? Noto cada ruga e cada marca, a pele sem viço, o
olhar triste. Não, essa realmente não sou eu. É até bonita, consigo ver traços
de uma beleza abatida, mas não é a minha imagem na foto.
Corro ao espelho, esse escondido
do lado de dentro da porta do armário. Olho-me atentamente de frente. Essa do
espelho e a da foto se parecem, mas também são tão distintas. Entre uma e
outra, passagens desses anos todos me voltam à memória. Quadros estáticos ou
cenas específicas. E me pego divagando sobre como formei essa estampa tão
irreal de mim mesma.
Em qual delas devo acreditar?
Essa que olha para baixo, tristemente, é a que as pessoas veem, ou será a fúria
de olhar agressivo do espelho? Posso arriscar, não é a jovem rebelde e sensual
que guardo na mente. Essa, nem tenho bem certeza se realmente existiu algum
dia. Minha predileção pelo ficcional deve tê-la criado a partir de muitas
vontades que jamais se tornaram reais.
Ainda escrevo aqui como se fosse
apenas uma hipótese. Rio de mim mesma. É claro que não sou essa que penso que
sou. Já não sou jovem ou sensual, nunca aprendi a cantar nem desperto paixões
irresistíveis por onde ando. Não, nunca fui assim. A ficção de mim está mais
para uma superfêmea dominadora e livre, rodeada de admiradores e seguidores de
seus preceitos intelectuais.
E, de repente, tudo se torna uma
piada bizarra. Criei uma imagem de mim que jamais tentei ser. Ela – essa eu
perfeita – só viveu na imaginação. Ao contrário, na realidade da vida que
levei, conquistei coisas diferentes, me esforcei por metas tão opostas, cheguei
a patamares de vida e arte que não caberiam nela, a da mente. Entretanto, a
imagem ainda está lá. O que me faz pensar no quanto me escondo nela.
E, se me escondo, de quê? Dessas
rugas e marcas que vejo na fotografia? Da tristeza estampada revelando a
ausência das paixões? Dos defeitos que o espelho amplia em contraste com as
capas de revista? Da aparência que queria que o mundo apreciasse em mim? Não
sei as respostas. Mas descubro algo intrigante. De repente, essa da mente já
não é tão bela. Já não me atrai tanto a ficção.
Assim como meus textos se tornam
cada vez mais longos, minha percepção se entrelaça com as verdades que a
realidade me apresenta. Um pé no chão, a cabeça na lua. Quem sabe valha mais a
pena descer o rosto e nivelar o olhar à frente, não acima. O que não notei
apenas por não enxergar o que estava ao meu alcance? Quantos anos perdi por não
observar o nascimento – ou o motivo – de cada ruga?
Tenho compreendido mais de mim em
semanas do que me permiti saber durante décadas. Sempre buscando o novo, o que
não tinha. Conhecimento, conquista, avante, sempre avante! E o que acabei
fazendo com tudo o que aprendi? Usei com parcimônia? Apliquei em algo concreto,
realista? Deveria ter feito isso? Por que não fiz? Perguntas que essa da foto
deve responder daqui em
diante. Ela/Eu e nossas rugas.
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