E eu ainda estou aqui
A queda nada tem de vertiginosa,
nem é rápida ou fascinante como um atirar-se da torre do castelo. A queda é lenta e tediosa,
silenciosa, apática. Vamos, dia a dia, afundando na lama enfadonha, fedorenta. Nada
a ver com a areia movediça aventureira do filme da sessão da tarde. E nenhum
cipó nem braço de mocinho pra nos fazer para de afundar.
Quando a rotina deixa de ser
divertida ou estimulante, muito vagarosamente mergulhamos no torpor de ser
apenas a sombra de nós. E a sombra de mim é gigantesca. Engolfa a luz e tudo se
torna limbo. O aterrorizante é que o limbo nos parece – me parece – confortável.
E eu afundo mais.
Não sei dizer exatamente quando
tudo começou a perder o brilho. Se foi fato isolado ou o cansaço de perda
diante de perda. Quando o castelo de cartas começa a desmoronar, nada o salva
do espedaçar-se completo. Minhas quedas costumam ser assim, completas. Nada
sobra pra recomeçar.
Dessa vez, porém, foi diferente.
Sim, venho perdendo e perdendo, como costuma acontecer aos ciclos. Todavia, não
foi a queda adrenalínica do vigésimo andar. Foi um flutuar, um afundar-se. Um
mergulho que, de tão lento e tedioso, mal se fez perceber em morte. E foi assim. Me
peguei outra vez no fundo do meu próprio nada.
Seria triste. Seria, se eu tivesse
me dado conta desse fracasso. Mas ele veio devagar demais pra ser percebido. E,
em meio ao lodo que me consumia, inadvertidamente abri mais um arquivo e tornei
à rotineira labuta. Alheia que estava à asfixia. Eu li. E foi um grito de
Thiago que me fez acordar no meio da queda.
Aquela dor tão absoluta que me
traduzia e, ao mesmo tempo, me sublimava. De novo o suspender a respiração, de
novo o sorrir sozinha dante da frase perfeita. De novo o estonteante delírio e
regozijo da literatura a invadir-me as veias tomadas de lama. Incandescendo,
gerando lava! E ao final daquele grito, eu mesma gritei. Sim, eu ainda estou
aqui!!!
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