Simulacro e estereótipo das relações
Da série Análises da Busca - Teoria da Solidão Crônica
2
Mesmo quando
renegamos nossa original necessidade de grupo, mesmo quando nos julgamos
independentes e autossuficientes perante o mundo em que vivemos, mesmo que
nossas conquistas e posição social nos pareçam capazes de suprir qualquer
necessidade de contato, pecamos pela busca por aprovação. Quem nos aprova, nos
endossa, são os outros, a sociedade ao nosso redor. Nutrimos, mesmo que
veladamente, a obrigação de integralidade nos grupos nos quais nos inserimos.
Tendemos a nos aliar a nossos iguais.
Essa
contradição coabita conosco desde que simulamos essa forma de vida independente
e apartada. O simulacro de individualidade que projetamos serve para que
tenhamos a sensação de superioridade. Se não precisamos de ninguém, somos
magnânimos. Se somos os melhores, lideramos. Outra vez o lapso egóico do líder.
Para liderar, deve haver seguidores. Para comandar, devem existir comandados.
Se estamos em uma tropa de um só homem, em quem mandaremos? Quem cumprirá
nossas ordens além de nós? Quem nos prestará a homenagem e a reverência devidas
por nossa liderança?
Então, como
num ato de rebeldia sensorial, o instinto manda que o ser humano moderno se
encaixe em determinados conceitos, com determinadas atitudes, em uma plena
simulação, um reflexo, do que ele vê e considera bom para si mesmo. No real
comando destas opções de encaixe social está um advento que nasceu também da
necessidade básica de convívio e comunicação: a mídia.
Como a voz de
comando mais acessível e aceita, quase que totalmente sem questionamentos pela
maioria, a verve midiática é o grande líder que rege as vidas e as ações dos
seres humanos modernos. É a mídia o Deus onipresente, o “grande irmão”, como
descreveu Orwell. Implantando em cores e sons as regras de moralidade e
convivência das quais necessitamos para um bom desempenho social cotidiano.
Essa máquina
midiática é nossa consciência externa, nosso comando. Como em uma imensa sessão
de hipnose, obedecemos os preceitos por ela passados. E os reais líderes,
aqueles que ditam as regras, fazem uso dessa rede para que sejamos nós os
comandados, mesmo que sigamos acreditando em independência e individualidade.
É dentro
dessa máquina ditadora de normas que entendemos qual a maneira mais adequada de
nos relacionarmos com nossos semelhantes, nosso grupo. A partir dessa extrema
conceituação, em que rótulos nos servem de bandeira e definem socialmente o que
somos e como nos comportamos, é que os estereótipos se firmam como verdade e a
barreira entre grupos é estabelecida causando a separação dos não iguais.
A segregação
social é a arma para o controle. O ser humano, enquanto indivíduo, não pode ser
contido, pois que pensa e seu pensamento é único e individual. Em grupo, o
pensamento comum obedece ao líder. Em um grupo grande demais, entretanto,
corre-se o risco da dissidência. Abre-se uma fenda por onde pensamentos alheios
ou conflitantes com a ordem se geram por si próprios, o que ameaça romper o véu
estável do todo. A maneira mais natural de impedir a dissidência é apartar do
grande grupo os indivíduos contrários às normas.
Assim,
apelando para nosso instinto ancestral de grupo, diversos estereótipos e
simulacros ideológicos foram lançados, exortando entre si suas diferenças, não
suas semelhanças. E a rede midiática alcança a todos, cada qual com suas
peculiaridades, tornando os grupos rivais ou inimigos, ou simplesmente
invisíveis uns aos outros. É a simulação da ordem individual, da liberdade de
expressão, da contemporaneidade. O simulacro confortável atenuando a solidão crônica.
Comentários