Simulacro e estereótipo das relações

Da série Análises da Busca - Teoria da Solidão Crônica

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Mesmo quando renegamos nossa original necessidade de grupo, mesmo quando nos julgamos independentes e autossuficientes perante o mundo em que vivemos, mesmo que nossas conquistas e posição social nos pareçam capazes de suprir qualquer necessidade de contato, pecamos pela busca por aprovação. Quem nos aprova, nos endossa, são os outros, a sociedade ao nosso redor. Nutrimos, mesmo que veladamente, a obrigação de integralidade nos grupos nos quais nos inserimos. Tendemos a nos aliar a nossos iguais.
Essa contradição coabita conosco desde que simulamos essa forma de vida independente e apartada. O simulacro de individualidade que projetamos serve para que tenhamos a sensação de superioridade. Se não precisamos de ninguém, somos magnânimos. Se somos os melhores, lideramos. Outra vez o lapso egóico do líder. Para liderar, deve haver seguidores. Para comandar, devem existir comandados. Se estamos em uma tropa de um só homem, em quem mandaremos? Quem cumprirá nossas ordens além de nós? Quem nos prestará a homenagem e a reverência devidas por nossa liderança?
Então, como num ato de rebeldia sensorial, o instinto manda que o ser humano moderno se encaixe em determinados conceitos, com determinadas atitudes, em uma plena simulação, um reflexo, do que ele vê e considera bom para si mesmo. No real comando destas opções de encaixe social está um advento que nasceu também da necessidade básica de convívio e comunicação: a mídia.
Como a voz de comando mais acessível e aceita, quase que totalmente sem questionamentos pela maioria, a verve midiática é o grande líder que rege as vidas e as ações dos seres humanos modernos. É a mídia o Deus onipresente, o “grande irmão”, como descreveu Orwell. Implantando em cores e sons as regras de moralidade e convivência das quais necessitamos para um bom desempenho social cotidiano.
Essa máquina midiática é nossa consciência externa, nosso comando. Como em uma imensa sessão de hipnose, obedecemos os preceitos por ela passados. E os reais líderes, aqueles que ditam as regras, fazem uso dessa rede para que sejamos nós os comandados, mesmo que sigamos acreditando em independência e individualidade.
É dentro dessa máquina ditadora de normas que entendemos qual a maneira mais adequada de nos relacionarmos com nossos semelhantes, nosso grupo. A partir dessa extrema conceituação, em que rótulos nos servem de bandeira e definem socialmente o que somos e como nos comportamos, é que os estereótipos se firmam como verdade e a barreira entre grupos é estabelecida causando a separação dos não iguais.
A segregação social é a arma para o controle. O ser humano, enquanto indivíduo, não pode ser contido, pois que pensa e seu pensamento é único e individual. Em grupo, o pensamento comum obedece ao líder. Em um grupo grande demais, entretanto, corre-se o risco da dissidência. Abre-se uma fenda por onde pensamentos alheios ou conflitantes com a ordem se geram por si próprios, o que ameaça romper o véu estável do todo. A maneira mais natural de impedir a dissidência é apartar do grande grupo os indivíduos contrários às normas.
Assim, apelando para nosso instinto ancestral de grupo, diversos estereótipos e simulacros ideológicos foram lançados, exortando entre si suas diferenças, não suas semelhanças. E a rede midiática alcança a todos, cada qual com suas peculiaridades, tornando os grupos rivais ou inimigos, ou simplesmente invisíveis uns aos outros. É a simulação da ordem individual, da liberdade de expressão, da contemporaneidade. O simulacro confortável atenuando a solidão crônica.

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