Monólogos
Eu ando triste. Apesar de tudo em
seu lugar, ando triste. Apesar da cadência controlada dos dias e dos rituais domésticos
e suas competências bem estruturadas, ando triste. E na busca desesperada por
conforto, recolho-me aos pensamentos, aos devaneios que me afastam da realidade
asfixiante. Me invento.
Em minha mente torpe, tudo é
possível, tudo viável. Nesta em que me moldo tão abruptamente, não vejo a
máscara que me assombra do espelho. Tornei-me, no mundo real, uma desfigurada,
meu rosto é uma carranca entalhada em carvalho decrépito, com a ruga constante
de preocupação fazendo encontrar as sobrancelhas. Não gosto da imagem, é feia.
Por isso, fecho os olhos quando
quero ver a mim. E no meu mundo imaginário sou livre, sou bela e sorridente. No
delírio do abraço e da paixão, sou amada e toda a solidão que me rodeia não
existe. Simples como aconchegar-se a um cobertor num dia frio, simples como ler
um livro – sim, eu gosto de Djavan! –, faço-me aquela que quero ser. E
embalo-me nesse acalanto.
Tenho feito tanto essa incursão
ao plano da irrealidade, minha Terra do Nunca, que já é difícil conciliar
trivialidades necessárias – como comer ou dormir, por exemplo – com a plenitude
que só encontro entre fantasias. Cada vez vivo mais dentro de mim, cada vez
mais ouço as vozes que dialogam comigo e me separo do monótono monólogo da
realidade. Por vezes, nem mesmo defino o que é real.
Sinto que mergulho fundo, quase
sem possibilidade de retorno, nessa criação tão fantástica de mim mesma, em que
sou completa e nunca durmo sozinha. Crio amantes, amores, beijos, romances,
suores a dois. Crio felicidade e encantamento, poder e juventude, tudo ao mesmo
tempo e apenas para mim.
Refaço os passos e redigo as
frases tantas vezes quantas necessário para alcançar a perfeição de cada
momento. E são momentos perfeitos. Tanto que fica cada vez mais complicado
retornar desse mergulho na escuridão da mente, emergir para a luz da fleuma que
me aguarda aqui fora. Cada vez mais difícil voltar. Deve ser desse jeito, bem
assim mesmo, que se enlouquece.
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