Minha morte

 

Não sou suicida. Nunca penso em me matar. Mas, talvez, devesse. Acabar com tudo. Uma morte prevista e controlada. Meu estado de espírito é, por vezes, um território inóspito e árido, com suas pedras despencando de encostas muito íngremes e se despedaçando no chão poeirento. Sempre – quase sempre – solitário e sem vida. Todavia, nesse terreno arenoso e silente, há um pôr-do-sol alaranjado constante. Não, não é noite, é crepúsculo. E é sentada a admirar o poente purpúreo que esqueço de morrer.

Algo em mim insiste em tentar viver por mais um dia. Algo me empurra adiante, ciente da força de minhas pernas e do avançar como um comando interno, eterno. Meus passos pesam, mas estou acostumada. Tenho força o suficiente para andar por mim mesma. Embora perceba que de nada adianta tamanho vigor de vez em quando. Persistindo em alavancar um pé na frente do outro de novo e de novo, joelhos firmes, olhos no horizonte, me pego pensando “Para quê? Onde estou indo?”.

Minha sombra é a única companhia e, juro, ela desdenha silenciosa, arrastada atrás de mim como o fardo pesado de dias sem sentido algum. Anos, décadas... envelheço. Entretanto, sigo andando a passos firmes e lentos. Onde estou indo? Não há estrada nem trilha à frente. Nenhuma placa para indicar o destino. Não existe fim do caminho. Sequer há um caminho. Percebo que avanço, apenas. Empenho e cansaço. Cada vez mais cansaço.

É em momentos assim que paro e me acomodo pensando em, quiçá, pensar na morte. A dor é tanta e o vazio tão avassalador que é difícil concentrar minha mente nessa rota fácil de fuga, de fim. Olho em volta. São as mesmas rochas e ravinas, a mesma paisagem. Cada pedrinha idêntica a tantas que já pisei. Muito esforço, nenhum progresso. O ocaso ambarino me distrai – como sempre – do desejo sombrio de encerrar a caminhada. Lembro que deveria mesmo considerar morrer. Seria bom descansar. Ainda assim, é um céu tão bonito...

Sei que deve haver uma passagem, com suas placas e luzes, uma meta de chegada, um destino a alcançar. Por lá, os objetivos e sonhos que esqueci de pôr na bagagem, todos a esperar que eu encontre a saída desse deserto. Porém, não enxergo desvio algum. O véu tortuoso do cansaço cobre e embota meus sentidos de direção, minha vontade de sair desse lugar.

Confesso que, em repentes de alegria – são como espasmos involuntários –, chego a guinar e antevejo os faróis distantes, quase ali. Corro até, mas o peso das âncoras que me acorrentam me freia antes que alcance as luzes. E me saboto. Caio, invariavelmente, no mesmo ponto do deserto, admirando o entardecer vazio de minha própria existência sem rumo. E outra vez me questiono “Onde estou indo? Para que estou aqui?”.

Vivo e revivo esse ciclo vicioso egoísta hora após hora, década após década. Quero sair. Contudo, a energia se esvai a cada passo da jornada aleatória. Um dia, tudo isso acabará, quando os joelhos finalmente vergarem e o instinto de caminhar não mais domar meus pés. Queria que parasse antes, que parasse agora. Mas, como eu disse, não sou suicida. A ideia da morte só me faz pensar em um renascer que não creio possível, só outra distração.

Lembro que respiro. Tenho consciência da vida sem vida que me habita. Preciso de ajuda e não há ninguém aqui. A sombra suspira, entediada. Hora de ir. Mais uma pedra a rolar, mais um devaneio a desviar minha atenção do ponto. O conforto da morte esquecido outra vez. Preciso tornar a caminhar. O crepúsculo me espera.

Comentários

anonimo disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse…
Eu fiquei triste, não quero que tu morra.
Giselle Jacques disse…
Eu não vou. Ainda há crepúsculos. E auroras!
Anônimo disse…
Não mereço mais auroras, sou covarde demais pra ver a luz

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