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A Troca Justa

Sou difícil de matar. Me derrubar é mais fácil e já aconteceu mais vezes do que gostaria de contar. Já fui alvo de pedradas, rasteiras, traições e atentados de todos os tipos. Todavia, minha resiliência é chata e teimosa. Não sei desistir, apesar de opiniões em contrário. Já me rotularam covarde, indecisa, sem ambição. Mas, nunca me chamaram injusta. Das pancadas e emboscadas que suportei, as mais dolorosas foram as das pessoas próximas, aquelas com quem eu me importava de verdade. Confesso que, a cada descoberta, um tanto de raiva me abalava. Contudo, o sentimento que imperada era tristeza, decepção. Sim eu ficava mais triste do que furiosa. Saiba, você que me magoou, que doeu bastante. E doeu mais porque sei que só dois caminhos existem depois da traição. Ou o afastamento completo – o que me faria sofrer a ausência de certas pessoas –, ou o confronto – que nunca foi objetivo aqui. Não quero sumir nem brigar. Não mando olho gordo de volta, não compartilho intriga nem boto laxante

Serviu como uma Luva

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Você se encaixa? O conceito da “luva” remete a algo que se molda, que serve, que envolve perfeitamente. Pelo menos, a luva do dito popular, pois que fala de um artigo tão pessoal que era feito sob medida para os “mais nobres”. Em contrapartida, os “menos merecedores” nem as usavam – as luvas –, que dirá tê-las personalizadas. 👌 Na busca por adequação, por similaridade com o burguês, o plebeu passou a vestir luvas. Estas, todavia, produzidas em série, para “todas as mãos”. Umas apertavam a palma, outras tinham um dedo mais longo, um punho frouxo ou curto. Não importava. O plebeu iria se adaptar e tentar, ele próprio, se adequar ao artefato de qualquer maneira. Seria mais feliz nesse encaixe. 🤘 Agora, troque a “luva” pela “vida” e responda a pergunta. Você se encaixa? A vida que você leva foi feita sob medida para você? Ou – assim como eu – você tem que se oprimir para que sirva? Talvez, alguns dedos se ajustem impecáveis. Outros, porém, espremem, sobram, pinicam. Vai saber, a luva é d

Minha morte

  Não sou suicida. Nunca penso em me matar. Mas, talvez, devesse. Acabar com tudo. Uma morte prevista e controlada. Meu estado de espírito é, por vezes, um território inóspito e árido, com suas pedras despencando de encostas muito íngremes e se despedaçando no chão poeirento. Sempre – quase sempre – solitário e sem vida. Todavia, nesse terreno arenoso e silente, há um pôr-do-sol alaranjado constante. Não, não é noite, é crepúsculo. E é sentada a admirar o poente purpúreo que esqueço de morrer. Algo em mim insiste em tentar viver por mais um dia. Algo me empurra adiante, ciente da força de minhas pernas e do avançar como um comando interno, eterno. Meus passos pesam, mas estou acostumada. Tenho força o suficiente para andar por mim mesma. Embora perceba que de nada adianta tamanho vigor de vez em quando. Persistindo em alavancar um pé na frente do outro de novo e de novo, joelhos firmes, olhos no horizonte, me pego pensando “Para quê? Onde estou indo?”. Minha sombra é a única compan

Balsâmico

E ele era um deus... Eu não sei se grego, romano, sumério... não faz a menor diferença. O caso é que aquele homem era uma divindade! Lindo! Perfeito! Não, isso é pouco. Ele era o desfalecer de corações, o expiar de constâncias. Era algo indescritível. E, sim, existia, eu não o inventei! A perfeição em forma humana. Alto, muito alto! Moreno, a pele de neve, com gosto e cheiro de leite (eu imagino)! Os olhos de um verde balsâmico, absurdo! O que mais dizer da evidente magnitude dessa forma cósmica transmutada em homem...? Lindo! Só isso! Sim, eu sei quem é. Sim, eu sei o nome dele. E eu sei que é melhor nem chegar perto. Por quê? Porque essa criatura divina é mais do que qualquer mortal poderia pensar em dominar! Fabuloso, grande e aquele sorriso... Um sorrir que ilumina o mundo, que tem sabor de primavera. Não sei se vi (ao vivo) beleza tão explícita. Não sei se presenciei sorrir tão cativante. Sei apenas que meus olhos se voltam a ele como metal ao ímã, como se fosse inevitável. E

Sobre escrever errado

Não encaro numa boa a onda-modinha atual de “deixa disso” em torno da escrita capenga. Não vou condenar alguém que escreve errado em redes sociais, porque são mil variáveis nesse cálculo. Mas, eu vou, sim, berrar quando essa pessoa resolve que é “escritor/a”. Em “escritor”, vou enquadrar também todos aqueles e aquelas que se comunicam através de palavras ditas/escritas (porque os roteiristas e quadrinistas e blogueiros e youtubers também são comunicadores). Mas, falo particularmente aos contistas, romancistas, resenhistas e etc. Vamos às analogias (óbvias) que vocês tanto apreciam: Quando você manda fazer uma roupa em um atelier de costura, você não sai de lá com a roupa toda torta, pontos soltando e botões desencontrados dizendo “Ah, pelo menos a pessoa tá costurando!”. Você não sai feliz e contente, postando estrelinhas, de um restaurante no qual o/a chef queima a comida e troca o sal pelo açúcar. Chega de analogias. Escrita é uma profissão, gente. Um mí

Despedida

Sinto que é hora de parar, de encerrar um ciclo que me fez feliz por tantos anos, mas que já não reverbera. E quando aquilo que a gente ama para de fazer sentido, é preciso chorar, ruminar a dor da perda e deixar ir. Baseei minha existência na ânsia da literatura por décadas. Fiz o que pude, fiz coisas de que me orgulho. Mesmo assim, perco meu lugar de fala, minha visão de mundo envelhece e não se renova diante do inevitável desgaste das gerações. Não vejo mais a sublime expectativa, o sorriso já não me brota ao ponto final de um novo manuscrito. Ao contrário, a tristeza cada vez consome mais minha já parca índole guerreira. Estou cansada demais para continuar.  Talvez, de todas as mortes em mim, essa seja a mais dolente, a mais sangrada. Afinal, não sei fazer mais nada além de escrita. E se já não faço isso de alma, o render-se é um ato de salvação, não de fraqueza. Não sou mártir, jamais tive essa verve em mim.  Ainda tenho muito a fazer para me deixar desmanchar por

Covardia

(essa tem dono e ele vai ver, tenho certeza) Deixar de tentar, dar o primeiro passo e recuar, essa é a métrica do covarde. É um repetir constante de tentar mais uma vez e não sair do lugar, chegar a arquitetar o plano e falhar por medo – puro e absoluto medo – de colocá-lo em prática. É treinar para a maratona e não correr quando o tiro dá a largada. Para esses, o único prêmio é a derrota. Única e repetitiva derrocada – frustração, remorso, vergonha! –, porque é isso que o fraco merece. Sempre o último lugar ou lugar nenhum. Se a vontade, o desejo, a beleza da conquista ou o triunfo da recompensa não são maiores ou mais brilhantes do que o medo da tentativa, então nada vale a pena. Melhor e mais fácil – eu diria mais seguro, porque conforta – esquecer de vez! Melhor abrir mão, fingir que nem viu, que nem conhece. Melhor mesmo cessar a procura. Tratar o objeto do desejo ou a linha de chegada como um mero amigo imaginário que só existe mesmo ali, dentro da cabeça. Melhor de