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Mostrando postagens de abril, 2011

A Luta

Depressãozinha batendo leve. Chegando como a chuva fininha que cai lá fora nesse fim de tarde que não é verão nem outono. Não é tristeza, não é fossa, não é ausência. É aquela velha sensação de acabar. A sensação de cansaço, de ciclo repetido, de velhice precoce, de enfado. Os dias seguindo em frente e eu a me repetir sempre. Sempre na busca daquele algo que não acontece, que não desabrocha, que não vive.  O engraçado de tudo é que, dia desses, estava eu dando conselhos incentivadores a um amigo que sofria dessa mesma depressão. Um jovem, com todas as forças em dia, com todo o talento debaixo da pele. Dizia eu “espera, isso passa”. Dizia eu “calma, você vai conseguir”. Agora não sei se fui honesta. Deveria dizer-lhe “desiste, não há chance pra gente como nós”. Deveria dizer-lhe “busca outra coisa mais branda, larga o sonho, que esse sonho dói”. Esse sonho é mágoa latejante, pronta para ser chorada a qualquer canto. E tanto o sonhamos, por tanto tempo, que ele gasta. Torna-se pesad

À Distância

Ela nas teclas, ele no monitor. Ela correndo dedos e estalando cliques, derrubando palavras inspiradas em textos métricos. Ele a tecer comentários cáusticos, afogueados, sobre tudo quanto lia. Ela a escrever, ele a palpitar. O blog se enchendo a cada dia de torrentes de pensamentos e pedaços de emoção. Cada um de um lado da conexão, a experimentar o imaginário do outro. Ela esperava por ele depois da cada post. Ele esperava por ela depois de cada ponto final. E o mais incrível é que ela sabia, ele não. Ele nem desconfiava, sequer de uma mínima migalha daquela verdade. A verdade era só dela. Ele apenas apreciava, compartilhava, comentava. Ele interagia com o texto. Ela interagia com ele. Ingênuo, ele jamais perceberia que tudo aquilo, toda a mescla de sentimentos e inteligência de que gostava tanto, ela criava para ele.

Gozo

Energia frenética, força que move as terras, brasa que aquece o sol. Tua pele recendendo a almíscar, canela, jasmim. Tua pele vertendo orvalho. Suor perfumado, gostas de sal. E aquele arrepiar que transcende os pêlos, eriça os poros, derrama êxtase. Enquanto cada músculo se empenha em salientar-se mais. Seiva e viço.  Ombros rígidos, costas arqueadas, dedos crispados em mãos tensas. Pernas vigorosas embalando coxas úmidas pelo mesmo sal. Teu corpo inteiro pulsa ao ritmo do girar do mundo. Coração descompassado retumbando nas têmporas. Fogo a correr nas veias, incendiando a serpente que acorda e desabrocha, se insinuando sedenta em direção ao céu. Sangue e curvas. Frenesi. Tua sensualidade embriaga, emudece. Teu serpentear inebria, desrespeita. Teu peito arfante impõe o ritmo da dança das eras. Teu hálito escapando dos lábios é veneno, é antídoto, entorpecente. Teus olhos fechados sonham todos os desejos não ditos. Agonia. Tua voz ronronando um gemido inaudível, rouca e arrebatada,

Encantamento

Triste essa loucura dos enamorados de entregar o coração sem fronteiras. Incompreensível mesmo tal procura pelo doer-se. Insanos, na real estrutura da palavra, buscando pela tortura desmedida a que se costuma chamar paixão. Digo e repito, não os concebo, os apaixonados, destilando exageros românticos por todos os poros. Seres lamentosos e rastejantes, carpideiras em eterno funeral. Enamorados sofrem de ilusão crônica, acredito eu, entregues que estão ao encantamento maquiavélico do amor. Tolos, é como os penso. E por esse pensar já me disseram “não sabes amar”. E eu ri, debochada, diabólica. Mas a verdade, a vergonhosa verdade, é que sei... e dói. Triste essa loucura dos enamorados que, como eu, resplandecem ao sorriso alheio. Ao teu sorriso, tão alheio. Triste de mim que sofro de amores sem sequer poder dizer teu nome. Triste coração piegas, derramando exageros românticos, silenciosos, lacrimais. E tu, tão inocente, não sabes nem suspeitas de minhas dores por ti.  Como posso eu,

Controvérsias em Mim

Tenho controvérsias em mim. Alguém não tem? Me apanho contradizendo a mim. Logo a mim, que sei tudo. Mas, eu me rebato. E percebo que eu tenho razão às vezes. Em outras, perco a disputa e vejo que estava certa desde o início. Conversa de louco? Cada vez que me deparo com qualquer regra, recuo, tomo fôlego, olho feio e bato de frente. Normalmente dói. Tanto faz se a regra é minha ou alheia. Não gosto de regras. Me reinvento sozinha, sem manuais. Entretanto, cada nova EU vem com um conjunto novo de regras que a antiga EU se empenhou em ignorar, ultrapassar, rebater. Isso, sim, é conversa de louco! Estranho mesmo é quando se percebe que as novas regras não são tão novas. Que já fizeram parte do quadro e que foram riscadas, eliminadas, uma a uma, algum tempo atrás. Se estão de volta, repaginadas, são o quê? São novas? Não foram estraçalhadas o suficiente? Regras-zumbis erguendo-se das sepulturas. Regras-fênix surgindo das próprias cinzas. Minhas cinzas? E é nesse momento que a gente

A Boca

A boca daquela criatura era de tal forma perfeita, que palavra não havia que a descrevesse por completo. Puro deleite dos deuses aqueles lábios desenhados a sangue. Cada ranhura de pele que formava sulcos finos e ressecados que formavam veios que sumiam numa curva repentina. E lá vinha a língua umedecer as ranhuras, umedecer meus sentidos. Ah, aquela boca reta, de ângulos duros. A depressão do segredo dos anjos a dividir a linha superior num arremedo de coração. A generosa porção rósea que se avolumava logo abaixo, quase não cabendo em si de voluptuosidade. O tal suculento lábio inferior. Beijar aquela boca, meu Deus, se pudesse. E nem quisera tanto, apenas mirá-la assim de tão perto. Permitir-me, quem sabe, tocá-la delicadamente, quase sem tocar, com as pontas dos dedos, aquela boca de sonho. Sonho com ela. Aquela boca perfeita. Como é possível uma simples boca abalar-me tanto? Ah, mas eu bem sei. É que não é uma boca simples. É complexa, generosa, idealizada. Ideali

O Homem de Saias e a Mulher de Barbas

O homem deu um passo incerto na direção da mulher que estava de costas. O pé ensapatado afundou na areia branca e fina. Ele pigarreou na tentativa de chamar a atenção dela sem assustá-la. Ela se voltou e quem se assustou foi ele. Manteve a postura, ensaiando um sorriso simpático e discreto. – Com licença, moça. A senhorita sabe onde estamos? Ela franziu o cenho levemente, parecia irritada e sua voz não disfarçava isso. – Onde acha que estamos? “Uma pergunta com outra pergunta” – pensou ele. – Me desculpe – disse ele. – Pelo quê? – Por perguntar. Eles se encararam naquela luz quase alaranjada, quase ouro, do quase pôr-do-sol que quase se refletia na água mansa. – O que está olhando? Ela estava ainda mais irritada. – Desculpe outra vez – ele estava ficando confuso com aquela grosseria. – É que nunca tinha visto uma jovem de barbas negras como as suas. A mulher correu os olhos por ele, desdenhosa. – Poderia dizer o mesmo de suas vestes. Paletó, gravata, sapatos de couro e saias rodadas? Ó