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Mostrando postagens de fevereiro, 2013

Detox

Quando coisas demais acontecem, a regra é que o universo interno gere certo desequilíbrio. Nos perdemos em busca de eixo, encaixe, foco. Estamos equipados, mesmo que não saibamos, para lidar com a maioria das desjunções e contrapontos dinâmicos pelos quais passamos. Todavia, há aquele momento de desentrosamento conosco mesmos, de sensação de falta de organização pessoal. Parece que perdemos pedaços pelo caminho. Por conhecimento de causa, posso testemunhar que os acasos não são ao acaso. Quando cacos que você nem sabia soltos começam a cair enquanto você está distraído, é porque algo anterior já estava quebrado. Se muitas partes descolam e estilhaçam no chão, algo vai mal, algo deve ser monitorado de perto. Tenha certeza, as peças estragam, mesmo que tudo pareça firme e no devido lugar. Do que estamos falando? Da sensação terrível de que você não é mais você mesmo. Que não gosta das mesmas coisas, que outras irrelevantes fazem a maior falta, que aquelas atitudes que você nun

Devolva

Venho, por meio desta, solicitar a devolução de alguns itens restritos e pessoais que permanecem em poder de sua pessoa. Venho, nesta carta, requerer o que é meu por direito intransferível. Venho, nestas linhas mal traçadas, implorar ressarcimento. O conteúdo da lista é pequeno, mas o que você levou é caríssimo. Não tem ouro que compre. O que você levou não pode ser dado, doado, emprestado. Foi roubado. Pertence a mim. Fato injusto e inegável esse furto, esse apoderamento leviano. Ledo tempo aquele em que o presenteei com meus pertences mais íntimos. Esses, não os reivindico. Não os quero de volta. Fique, principalmente, com a gama de pensamentos, de saudade e de lágrimas que dediquei a você. São seus por merecimento. Também não quero de volta os suspiros tantos e os sorrisos tão poucos. Os beijos, queime-os, se não os quiser. Meu coração, já o resgatei, no exato instante em que o entreguei a você numa caixa de prata e você, sem abalo, o deixou cair das mãos. Meu cora

A Cidade ou Eu

Cheguei de volta à metrópole. Minha terra, minha pátria. Cheguei repleta de amores, de saudades. Cheguei pra recomeçar. Mas, eis que tudo na cidade se diferencia da lembrança. Ou serei eu a vaguear por devaneios inexatos? Quem estará diferente, a cidade ou eu? Já não sinto o ímpeto desbravador quando lho pela janela e vejo o sol nascer. Já não tenho certeza dos passos que dou rumo ao horizonte de descobertas. Algo no caminho de volta se perdeu. Ou será que foi no distanciamento, na fuga, que me abandonei pelo caminho? Quem deixou de lado o encanto, a cidade ou eu? Os olhos que agora derramam lágrimas sem sentido diante de um entardecer de domingo, são os mesmos que brilhavam ante os sonhos, as possibilidades. São os meus olhos que choram diante da mesma paisagem. Quem deixou cair meus pedaços enquanto corria ao final do arco-íris? Quem se perdeu, a cidade ou eu? Brinco e sorrio. Divago pelas tardes dominicais. Troco ideias, preencho espaços. Mas a cidade parece tão gr

Redundante

Descobri que sou redundante. Quando o tema persiste, ecoo termos, reescrevo o que já disse antes. Engulo as coisas novas porque o objeto da escrita não é novo. Tenho que cuidar isso. Pareço mais superficial do que sou. Demonstro de forma errônea o teor da redação. Tenho duas saídas. Ou faço uma lista de tudo que repito, ou paro de criar pensando nele...

Autopiedade

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Devo dizer que estou bem, então? Devo mentir? Agradaria aos alheios? Por certo que pareço bem, sempre pareço. Pouco me diz a dor do mundo. Não, não me importo. Sou ruim? Pois, que seja. Assim seja! Não aprendi de um dia para o outro a ser insensível, acredite quem quiser. Mas o fato é que aprendi. Endureci. Agora não sei ser diferente. É errado que eu me preocupe com a minha própria dor? Não, eu não acho. Quem, além de mim, se preocuparia, afinal? Sou aquela que todos procuram. Sou aquela que a maioria teme. Sou a que não precisa de preocupação. Por quê? Porque estou sempre bem, sou o eterno apoio, a tábua de salvação, a âncora. E é sério que muitos me veem assim. Cansei de tudo isso faz tempo. Ou será que ninguém percebeu? Também dói em mim. Também preciso de ancoragem. Mas, estou bem. Não se preocupe. Siga seu caminho, não olhe para os lados. Não levante a fronte, ou você pode se deparar comigo. E não seria uma imagem bonita. Ou seria? Não, com certeza você não quer

Fugir de Si

A fuga é a pior saída, o mais humilhante dos desvios, a mais sórdida decisão. Fugir é sinônimo de medo, de fragilidade, de inabilidade, para dizer o mínimo. É indicativo de caráter duvidoso, de retidão limitada, de covardia declarada. Fugimos dos perigos, das ameaças, do que nos fará algum mal. Instinto de preservação. Sobrevivência. Fugimos de situações maléficas, desastrosas, fugimos do que não podemos controlar. Essa fuga é tolerável, combativa, esperta até. Indizível é fugir da sorte, do momento, da tentativa, do arrependimento. Inimaginável é fugir e si. É desviar dos desejos, dos anseios, simplesmente por temor do desconhecido. Pior ainda, por temer aquilo que se conhece tão bem. Lastimável a fraqueza humana que corre da própria carência, que se afasta da sombra própria projetada, que prefere não ver a luz na estrada adiante. Triste de se perceber a falta de confiança de alguns nas próprias escolhas, nos próprios conceitos. De que maneira fugir de algo que tr

Arranhaduras

Vivemos como queremos. Fazemos coisas sem pensar, por hábito ou demência. Por provocação, flagelo. Cada um tem seu anjo e seu demônio a perturbar a mente, a impelir vontades. Mas somos responsáveis por todas as nossas arranhaduras. Levamos o dolo ou os louros de cada ato cometido, de cada crime cotidiano. E insistimos. Sabemos, quase sempre, quando estamos errados, quando a ação deve ser repensada. Paramos? É claro que não. Somos seres teimosos e exagerados. O que fazemos, fazemos muito. E as consequências reverberam no dia seguinte. Estragam o paladar, pesam na consciência. Vergonha que não é alheia, é bem pessoal. Ainda assim, insistimos. Chutar balde ou cachorro morto é uma prática comum. Investimos em machucados e machucar-nos torna-se um vício. Precisamos da dor para viver. Precisamos da culpa. Mas não para tomarmos outro rumo, repaginar-nos, apenas para nos fazer companhia enquanto não chega a hora fatídica de outro açoite. E isso perdura por vidas... até que o c

Reflexões Sobre Alegorias

Sendo a época propícia a releituras – pois Carnaval é pura filosofia (!) – estreitamos olhos e enrugamos testas a pensar no ócio do óbvio. Ok. Parei de divagar. Sinto – e não sei se sinto sozinha – uma necessidade pungente de agregar conceitos a fatos insólitos. Algo muda a cada instante em nós, seres viventes. Mudamos, revestimos, repensamos. Somos mutantes por natureza. E o estagnado sofre as consequências de não acompanhar as transformações. Transmutamos tudo. Nós mesmos, inclusive. Um bom exemplo é a batelada de promessas de ano novo que a maioria dos mortais costuma elencar. Queremos melhorar, queremos sublimar. Ou, ao menos, almejamos chegar mais perto daquele ideal de perfeição. Claro que essa perfeição só habita a mente deturpada de cada indivíduo. De posse desses conceitos de transladação, reformulamos vidas inteiras. Abdicamos de fervores, rotulamos intempéries, abrimos mão de preceitos básicos em prol da dita repaginada. Esquecemos, porém, do que nos é caro,

Experimentação de Mim

Estou experimentando uma nova de mim. Algo tão novo que se mescla com a expectativa mundana do comum. Pela primeira vez, talvez, eu seja igual a todo mundo. Experiência estranha para um ser estranho. Mesmice, estagnação, cópia... mas tudo tão inovador, tão colorido. Por vezes, juro que não me reconheço no espelho. Juro que aquela ali me olhando não sou eu. Mas sou. Ela é. Alguma parte de mim que dormitava, sem pressa alguma de vir à tona. E, para essa nova, sorriem rostos que antes franziam cenhos. Para esta, abrem-se portas, desgastam-se elogios, surgem vozes de conversas fúteis, agradáveis. E o entorno se torna mais amplo. Tudo reorganizado no espaço ao redor da novíssima figura. Boca pintada, saltos nos pés. Pernas à mostra como se o foco do Eu fosse a imagem, a matéria recomposta, compartilhada com o olhar do meio. Aceita! Ainda não consigo conciliar as duas de mim. Essa brilhante de vestido, a outra encapsulada no ostracismo do intelecto. Ainda não entendo porque

Falta Tua

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Eu só queria deitar a cabeça no teu peito e esquecer da vida. É pedir muito? Um momento de aconchego, de inércia. Um momento pra me lembrar que também posso ser frágil. Que também posso ser dócil. Queria só deitar a cabeça na curva do teu ombro e me sentir segura, abraçada, protegida. Coisa boba de menininha fútil? Pode ser. Que seja. É bom. Pronto! Só deixar que tu me abraces e abdicar do mundo. Mas teus braços estão tão longe de mim... que sinto saudade desse teu afago, do teu cheiro e da tua força a me prender em teu abraço. Como se não quisesse que eu fugisse de ti... Ironia, pois és tu quem foge, meu amor, e me deixas solta nesse vento de chuva. Daria qualquer coisa para estar inteira dentro do teu abraço. Para repousar meu ser em teu todo. Para me despir de mim, de minha força, de meu comando, e te deixar reger minha orquestra. Não. Não sou submissa. Sou fêmea, preciso de afago vez em quando. Necessito cuidado hora ou outra. Quero poder descer do salto e me

Crônica Triste

Tarde se faz a hora arrastada. Tarde se nota no olhar cansado. Tarde da noite, do ser, do pranto. Entardecer que não tem estrelas bordadas no manto. Tarde é a medida do tempo que passou sem fazer barulho. E que deixou por rastro apenas o calar das horas. Rastro sem mácula, sem forma, sem conteúdo. Ranço do tempo, desse tempo sem destino. Cântico de mortalha, ladainha de carpideira perante o caixão aberto. O túmulo. Esse é o tempo que se faz tão tarde, tão antes. Ilusória essa veia de medir tal tempo, tentando alcançar os minutos que escapam do presente. Aridez, certeza ausente. Gosto de fel e morte a empapar a língua. Resta esperar o final iminente da trovoada após o relâmpago. Som de tragédia, de rufar de tambores. Som de dissabores rolando pela garganta. E o pranto também espreita o tempo. Esse que engole o choro para se fazer de forte. Esse que chora por dentro ante o temor da morte. Tarde se faz no mundo escuro da vida que passa. No muro que cai aos pedaços, en

Blaue Augen

Parece pieguice falar dos teus olhos. Parece pouco, brega, obtuso. Parece pobre. Parece falta de idioma, parece resto. Parece normal, trivial. Parece óbvio. Sim, parece. Mas é porque ninguém mais consegue ver de frente esse espelho azul, essas duas gotas de safira, esse errar de firmamento que faz brilhar teu olhar. Duas fendas de azul profundo, de puro anil oceânico. Nem as mais densas nuvens tiram dos teus olhos esse céu escancarado a olhar para tudo, para todos, menos para mim. Ai de mim, que me perco no celestial desse teu olhar. Sem que percebas, é esse índigo sereno que me hipnotiza. Mar revolto, onda mística. Desfaleço quando, além de tudo, tens guardado um sorriso a estreitar pálpebras, a delinear contornos. A tecer sobre quem te vê esse véu célico e morno. Pálida solidão essa minha, que passa despercebida por teu olhar. Esse que acalenta o mundo e deságua na mansidão do infinito. Quem me dera ser estrela a flanar no horizonte dos teus sentidos. Quem me dera se

Eu ainda não encontrei

E o andarilho da noite que habita em mim ainda procura paragem, parada, sossego. Aquele mesmo de há vinte anos. Aquele que vagava solitário desbravando escuridões. Esse ainda anda perdido, jogando com feras... e vencendo a cada partida. Mas o andarilho em mim está cansado de andar. De buscar o inevitável, de evitar a lástima, de lastimar o impossível. Intocável é o sonho do descanso, do aconchego sereno nos braços seguros do destino certo. Incerto esse buscar. Vagar eternamente, esse é o grande temor. Pois que esse ser sem amarras quer amarrar-se em qualquer ancoradouro de sonhos. Quer, por fim, descansar os pés doloridos, esses que vagam há décadas sem lugar no mundo. Sem espaço seu, sem compaixão. Quer fincar raízes que nem sabe se tem. Quer descobrir se as tem, as raízes. Esse andarilho, que por tantos e tantos descaminhos cruzou mares, desertos, montanhas, abismos, quer simplesmente parar num olhar, no fundo da iris... no semblante de quase sorriso de alguém dizend

ANDARILHO

Eu ando por ruas perdidas Jogando imagens com monstros Devoradores de sons Procurando o caminho da partida Ou a chave dos sonhos da nave Que desperta mil dons Eu ando gritando um nome Que eu mesmo não entendo E procuro, reparando nas sombras À noite, um brilho some E somem razões Esquecidas, perdidas Em fendas e dobras Eu ando Como andaram os homens Eu ando Como eles já não andam mais Procurando Como procuraram um dia Eu ando Procurando paz